1999 - Paisagem Matérica |
Textos do CatálogoAS PAISAGENS ABSTRACTAS DE TERESA RIBEIRO
O espectador comum (ou pouco preparado) de pintura ou escultura tem tendência para considerar a arte abstracta sob uma de duas facetas, quando não sob ambas: suposta falta de talento do artista em juízo – o qual, segundo o observador julga, por não saber desenhar, pintar ou esculpir, recorrerá a esse "artifício" – ou puro e deliberado achincalhamento do público por parte do autor da obra. A postura é compreensível, diga-se, por ter origem numa tradição milenar, ainda hoje presente – que apenas se quebrou com o cubismo no início do século XX –, cuja filosofia impõe que a representação pictórica ou escultórica do objecto se pareça o mais possível com ele. E natural se torna, quando sabemos que mesmo entre alguns artistas e crí¬ticos ainda se arrasta uma requentada, inútil e risível polémica nesse sentido...Vem isto a propósito da presente exposição de Teresa Ribeiro, segundo reconhecemos, a mais intimista do já vasto número de individuais até agora por si realizado. Pensamos mesmo poder afirmar que será aquela em que a própria mais se patenteia, sem artifícios (de que, aliás, não é useira), em que o fluir das ideias, cores e linhas mais atinge plena sinceridade. E porquê? É que os trabalhos agora aqui exibidos, oriundos dos anos de 94 e 95, constituíram a base experimental do acervo a que depois a pintora deu corpo em "Ecce Homo" (94) e "Reencontros de uma Alegoria Onírica" (95) e não se destinavam, portanto, a ser mostrados. Assim, encontra-se neles a fluida liberdade de tratamento da coisa artística não destinada à mostra ou à venda, uma frescura e uma verdade que, curiosamente, muitas obras finais (dela ou de outros) por vezes não conseguem atingir, porque mais pensadas, mais reelaboradas... em suma, pela sua própria natureza, algo menos espontâneas. Os exemplos, neste sentido, tanto nas artes-plásticas como na literatura, são imensos e conhecidos, estendendo-se, como também se sabe, à generalidade dos produtores. Mas, voltando às nossas considerações iniciais, refiramos que estas manchas de cor e os traços que Teresa lançou ao papel, sem intuito de material acabado, assentam não apenas sobre o acaso (de que decerto terão alguma componente), mas mormente em reflexões que desenvolveu na ilha da Madeira, analisando e fotografando em gostosa demora o costado de barcos de pesca abandonados ou, no estaleiro, em fase de recuperação, plenos de texturas riquíssimas de madeiras, tintas, vernizes e cobertura marinha, vegetal ou animal. Ora, é assim que, mais uma vez, aquilo que parece não o é; pois, o que o tal espectador desprevenido poderia presumir como exercício aleatório tem afinal por base extenso e sério trabalho de pesquisa, armazenamento e interiorização de motivos - num primeiro tempo lançados no suporte quase em bruto (o que aqui vemos); num segundo, refeitos com outros cuidados, para apresentação pública. Dois tipos de peças podemos encontrar neste conjunto: um grupo, sobretudo debuxado, de paleta contida, feito de sépias, negros e brancos, texturados e transparentes, em certos casos coberto de signos caligráficos; outro, mais luxuriante, desenvolvido em aparato de fortíssimas artérias azuis e amarelas, de intensa voluptuosidade pictórica, aposta com espátula e trincha. Dir-se-ia que Teresa Ribeiro nos apresenta (talvez sem disso se aperceber ou, pelo menos, sem o ter preconcebido), aquilo a que não seria desacertado apelidar de paisagens de cor, dois paradigmas clássicos: o velho e o novo e a tristeza e a alegria, fazendo o transferidas embarcações que a tocaram, decadentes ou recuperadas, para a pintura. Não será necessário possuir muita sensibilidade para o compreender, nem sequer é preciso estar a par do segredo da fonte onde ela bebeu para depois dar à estampa tais exemplares que logo saíram do domínio do descritivo (sua génese) para se situarem num nível de abstracção que dispensa o discurso literário (o mesmo é dizer "decalcado"). Por isso é notável, pese embora a simplicidade que acertadamente não mascara, este núcleo de pinturas em boa hora posto ao nosso dispor. Joaquim Saial Setembro/1999 |
Catálogo da Exposição
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