2015 - Era uma Vez… |
Textos do Catálogo |
Catálogo da Exposição
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"Era uma vez…" ou os aliciantes desenhos de Teresa Ribeiro La Fontaine, Perrault, irmãos Grimm, Hans Christian Andersen, Lewis Carrol, Astrid Lindgren e muitos outros – alguns deles por vezes injustamente esquecidos – são gente da escrita cujas universais histórias infantis preencheram com proveito parte da infância aos que a elas tiveram a sorte de terem tido acesso, ungindo-os pelo lado maravilhoso da fantasia e da imaginação. Ora esse tipo de literatura, feito sobretudo para gente miúda e por isso menos iniciada nos meandros da interpretação literária, por mais bem escrito que esteja, necessita de apoio visual que dê ao jovem leitor as cores, os aromas, as dimensões, em suma, os ambientes que reforcem a leitura escrita com o elemento plástico complementar. Neste sentido, a literatura infantil tem vindo a ser acompanhada a par e passo pela ilustração, muitas vezes de tão significativa qualidade como a da escrita. Não vamos sequer tentar enumerar uma milésima parte da vasta galeria de ilustradores estrangeiros exemplares, mas podemos referir que nesta área os temos em Portugal de elevadíssima qualidade, como André Letria, João Vaz de Carvalho, Raquel Pinheiro, Bernardo P. Carvalho ou Fátima Afonso. Porém, Teresa Ribeiro não é (ainda) ilustradora. É pintora com obra regular que no entanto só nos últimos anos tem entrado no campo do figurativo, por exemplo, na poética série "Ecos e Ressonâncias" de que recordamos os designativos "Era uma vez" (título-prelúdio do patente na actual exposição) ou "O enigma" em que, embora a sua teoria abstractizante ainda esteja presente, já apresenta sinais não só de evidências figurativas como de um latente interesse pelo feitiço do universo da meninice. Mesmo numa outra série recente, "Metamorphosis", a transmutação das figuras que se multiplicam remete para esse mesmo imaginário em que é vulgar a metamorfose pela magia. Ora os 17 desenhos que enformam este "Era uma vez…" (grafite, carvão e aguadas de ecolines inéditos realizados em 2007/2008) poderão incluir-se na designação simplista "ilustração de histórias infantis"? Parece-nos que não, por irem muito para além desse epíteto. Teresa Ribeiro não pretendeu com os seus desenhos ilustrar histórias ou contos mas pelo contrário mostrar o momento único que é o da audição/leitura dos mesmos. Há sempre nestas peças alguém que ouve, vemos sempre rostos em expectante atenção, evidencia-se sempre um sortilégio que tudo percorre, cruzando-se imagens de animais com as de seres humanos, como se de um todo fizessem parte, em etéreas aguadas de cores suaves, fixas num desenho também ele simples mas eficaz. Estas peças têm de facto títulos mas eles são apenas guias de viagem que nos levam muito para além de si próprios, até porque se nuns casos facilmente nos identificamos com eles ("Alice no país das maravilhas", "Hensel e Gretel", "O gato das botas", por exemplo), noutros esse reconhecimento é algo mais difícil. Mas que interessa isso se nos emocionamos com aquele "Palhaço triste" e nos deixamos seduzir por aquelas "Histórias com lobos"? Teresa Ribeiro não se deixa enrolar nas teias do rodriguinho/desenho fácil/logo-perceptível e de certo modo obriga-nos, com sábio poder de síntese, a construir (ou reconstruir) a partir dos seus aparentemente vagos/frágeis desenhos aquela história que o título revela ou a nossa própria história fabricada com recurso a ele. Digamos que estamos perante um jogo subtil em que a artista nos conduz por gostoso percurso do qual quase não nos damos conta mas que nos leva muito para além de cada uma destas obras, num atractivo caminho que se não é de tijolos amarelos, perto se situa. Ou que, à maneira de Gulliver, tanto pode ser palmilhado por pequenotes como por graúdos, aqui passíveis de ficarem irmanados num idêntico gozo de visualização, à espera do que se sucederá a cada "Era uma vez…" que se pronuncie… Joaquim Saial |
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